Neste artigo a autora apresenta a importância da psicologia clínica, de orientação psicanalítica, na relação entre a pessoa e o psicoterapeuta, para que a pessoa possa (re)começar a viver.
A psicologia clínica é um mundo.
Existem várias orientações teóricas, técnicas e práticas diversas, o que se traduz em várias formas de olhar, diferentes perspetivas, lupas até, para perceber e compreender o Ser Humano.
O psicólogo, ou psicoterapeuta, tal como a pessoa que procura ajuda, é um Ser Humano. E como Ser Humano, também tem as suas coisas. Sente coisas. Tem um passado, um presente e um futuro. E por ser Ser Humano, tem direito às suas coisas, mas também, tem a responsabilidade de pensá-las, transformá-las. E, para poder transformá-las, deverá fazer a sua psicoterapia pessoal (ser ele o sujeito!).
Assim como, deverá ser seguido em supervisão clínica e intervisão clínica, juntamente com outros profissionais da área. O terapeuta, deve estar bem resolvido. Isto porque tem à sua responsabilidade pessoas. Pessoas estas que procuram a sua ajuda. Pessoas estas que precisam de colo (um colo mental). Estas pessoas, muitas vezes, estão num sofrimento tal que nenhuma palavra pode, ou consegue, definir o que sentem. Às vezes, o silêncio também fala… grita, chora, enlouquece.
Estas pessoas, precisam urgentemente de renascer. Voltar a ser. Para isso, pessoa e terapeuta têm de se encontrar. Pela humanidade, pelas características de ambos, pela intuição, pela teoria e pela técnica e juntos constroem uma nova relação: a relação terapêutica, sã e sanígena, capaz de amar e fazer amar, criativa e criadora, molde para as relações do mundo extra-consultório.
Este encontro a dois, é uma verdadeira co-construção. O terapeuta não é o detentor da verdade absoluta. O sujeito não é o único que sofre. É uma nova relação que se estabelece. Uma relação bidireccional. Este encontro, propicia o estar com.
Estar com, é estar com a pessoa. É perceber e ter-se interesse pela aquela pessoa – e isto, é fundamental em qualquer prática clínica. É sentir e desenvolver sentires múltiplos: quer paciente, quer psicoterapeuta. É escutar o outro, sem julgamentos ou compreensões precipitadas. É estar atento, é ser empático. É receber o outro e acolhê-lo de forma incondicional. Aceitá-lo. Tolerar a diferença. É também pensar com. Ajudar a que a pessoa se pense. É poder transformar aquilo que não tem nome. Dar-lhe um sentido. Potenciar a transformação. Estar verdadeiramente nesta nova relação, a relação terapêutica, sem memória e sem desejo. Estar. Ser presença. Ser suficiente. Ter amor à verdade.
Assim, a psicologia clínica de orientação psicanalítica, a minha psicologia clínica, é um encontro a dois. A sós. Para que depois, a pessoa, possa (re)começar a viver. É um renascer no útero mental do psicoterapeuta em direção à vida que estava em suspenso, “sozinho e em relação com o mundo de todas as coisas, seres e pensamentos”.
Ser-se psicólogo, é também ser “catalisador da reação espontânea” e permitir que um outro possa reparar o que quiser da sua realidade, abrindo portas para que este outro possa relacionar-se melhor consigo e com o mundo. Ou, de forma abreviada, ser-se “a chave de ignição que precisava para as coisas lá fora” como me disse um dos meus pacientes. Esta é a psicologia clínica que em que acredito e “que sorte tenho eu… de me pagarem e ainda por cima poder aprender com os meus pacientes”.
Autora: Soraya Bento Morais, Psicóloga Clínica, Dezembro 2019